Depois de “Vingadores: Ultimato“, os filmes da Marvel pouco tiveram a acrescentar ou empolgar quem saía de casa para assisti-los nos cinemas. Se formos contar nos dedos, conseguimos tranquilamente apontar um ou outro título que se sobressaia, que seja minimamente bom. Chloé Zhao tentou, no injustiçado “Eternos“, trazer algo diferente, mas a “fórmula Marvel” precisava se impor. Anos depois de Ultimato, o MCU está mudando, e Thunderbolts pode representar o início dessa possível renovação.
Mas calma: não é como se “Thunderbolts” fosse a salvação do MCU. Não é, e nem se propõe a ser. O longa apenas resgata personagens já estabelecidos no universo Marvel, mas pouco explorados. Na verdade, tirando Yelena Belova — a nova Viúva Negra interpretada por Florence Pugh — e Robert “Bob” Reynolds, o novo personagem superpoderoso do cânone, os demais (Bucky Barnes, Guardião Vermelho, Fantasma e John Walker) servem como apoio narrativo para a trama avançar. E até que funciona bem.
Na história, Yelena (Florence Pugh) é convocada por Valentina Allegra de Fontaine (Julia Louis-Dreyfus) para uma missão em um local isolado. Ao chegar, ela descobre que outros anti-heróis, também a serviço de Valentina, foram reunidos com um propósito: se matarem. Além de Yelena, estão presentes Ava Starr, a Fantasma (Hannah John-Kamen), e o Agente Americano John Walker (Wyatt Russell). No entanto, os desajustados acabam se unindo para enfrentar uma missão suicida e — pior ainda — encarar seus traumas do passado.

Emoções, traumas e uma ameaça interna
Uma das virtudes do diretor Jake Schreier (vindo da série “Treta”) foi buscar explorar as emoções e os diálogos entre os personagens, em vez de se apoiar exclusivamente em cenas grandiosas de CGI. Isso não significa ausência de efeitos visuais, tampouco que eles sejam um problema em filmes de super-heróis, mas a opção dos roteiristas Joanna Calo e Eric Pearson por um tom de aventura com suspense em torno de “quem é Bob?” é um bom diferencial.
Vivido por Lewis Pullman, Robert Reynolds — o Bob — surgiu de um programa secreto de criação de super-humanos comandado por Valentina. O detalhe é que ela não sabia que o experimento havia funcionado, já que os participantes eram considerados descartáveis e não deveriam sobreviver ao processo. Mas Bob sobrevive — e se torna o ser mais poderoso do filme. O problema? Ele não é, nem de longe, a melhor pessoa para receber tamanho poder. Mostrar seus traumas, vícios, episódios de depressão e como isso afeta os que estão ao redor — especialmente Yelena — é uma escolha madura do roteiro.
“Thunderbolts” também aprofunda o passado de Yelena e dá uma nova camada a Bucky (Sebastian Stan), agora congressista nos EUA, e a John Walker. Florence Pugh imprime seriedade à sua personagem, que, após perder a irmã Natasha (Scarlett Johansson) e o contato com Alexei Shostakov (David Harbour) — que aqui cumpre bem o papel de alívio cômico, cheio de exageros —, se entrega a um trabalho que não ama apenas para não mergulhar em depressão ou alcoolismo. Seu monólogo no início do filme, ao saltar de um prédio rumo a mais uma missão, ilustra esse estado mental da personagem.

A formação do novo grupo em “Thunderbolts”
Assim como a dinâmica entre Hulk/Bruce Banner (Mark Ruffalo) e Natasha Romanoff/Víúva Negra nos filmes anteriores, Bob e Yelena também podem seguir esse molde de amizade (ou algo mais?). Bob não controla seus poderes, e sua relação com Yelena pode se tornar essencial nos momentos mais críticos e necessários – como aconteceu com Natasha e Banner. O palco está montado — agora resta saber o que Kevin Feige planeja para o futuro dos dois.
E, como não poderia deixar de ser, “Thunderbolts” também traz destruição: mais uma vez, prédios e ruas de Nova York são palco de caos. O aceno ao celebrado grupo de heróis de 2012 é claro, assim como a intenção do Marvel Studios de formar uma nova equipe — ainda que de anti-heróis.
Apesar disso, talvez o maior acerto do roteiro seja justamente não apostar na grandiosidade. Talvez até coubesse mais disso aqui. Mas é interessante perceber que a resolução da trama não depende dos habilidades dos personagens — até porque é demonstrado que eles são insignificantes perto do real poder de Bob —, e sim do apoio mútuo, das relações e do simples ato de estar presente.
A ideia de criar uma habilidade mental que aprisiona, manipula e, que no pior dos cenários, pode sugar a vida das pessoas é uma metáfora válida para lidar com questões de saúde mental. A contraparte de Bob, que ganhou materialidade e o torna uma espécie de “deus”, representa justamente o vazio que consome o que ele ainda tem de bom. E nem se pode dizer que ele seja uma boa pessoa. Todos no grupo estão longe disso — o que os torna mais humanos, com problemas reais.
Como parte do universo compartilhado da Marvel, “Thunderbolts” também se conecta a outras produções recentes, como “Capitão América: Admirável Mundo Novo” (leia a crítica) e do vindouro “Quarteto Fantástico: Primeiros Passos” — este último, talvez, mais empolgante para os fãs de longa data do MCU.
Mesmo com muitos personagens, Kevin Feige parece ter aprendido a lição: planejou-se melhor e entregou um filme que qualquer espectador pode entender, sem precisar maratonar os lançamentos anteriores. “Thunderbolts” é uma jornada agradável, com personagens carismáticos e interessantes, ainda que alguns sejam subutilizados. Ah, o asterisco do título oficial do longa é revelado no final e também há duas cenas pós-créditos – a última é interessante.
O filme chega aos cinemas no próximo dia 1º de maio.