Os limites da moralidade humana são constantemente testados no cinema, e em 2012 foi a vez do longa Obediência, a partir da direção e roteiro de Craig Zobel (de séries como Mare of Easttown e Pinguim), se submeter ao experimento a partir inspirações em eventos reais. No entanto, assim como em O Assassino do Calendário (também disponível no Prime Video), há uma sutil limitação na tradução do título original para o nacional, sendo Compliance o nome mais adequado quando vamos nortear as críticas e reflexões deste filme.
Isso porque, dentro do mundo empresarial atual, compliance é o conjunto de procedimentos e práticas que uma empresa adota para cumprir suas normas legais, regulamentos e políticas. O termo vem do verbo inglês “to comply”, que significa “cumprir” ou “estar em conformidade”. Em outras palavras: obedecer.
Seguir a narrativa de Obediência a partir desse contexto empresarial dá maior peso à obra, que tem na sua trama a rotina de um restaurante fast food. Tudo leva a crer que seria mais um dia normal de trabalho intenso e estressante, quando a gerente Sandra (Ann Dowd) recebe a ligação de um suposto policial Daniels (Pat Healy) alertando sobre um crime ocorrido no estabelecimento. Segundo ele, Becky (Dreama Walker), uma das funcionárias, furtou dinheiro de uma cliente, e Daniels passa então a pedir a cooperação de todos para que a situação seja resolvida.
O compliance pode ser falho: Obediência não é um filme fácil de assistir
Craig Zobel trabalha com Obediência a construção de uma narrativa iniciada com uma intriga, mas que vai evoluindo para o mais sórdido desconforto para quem está assistindo. Já adiantando o spoiler, a ligação do suposto policial na verdade é um trote, acarretando num episódio traumático para Becky, promovido a partir das ações de sua superior Sandra.
Mas e a empresa nessa história?
Em meio a toda exposição pela qual Becky é submetida, o roteiro coloca uma lanterna especial para convidar o espectador a refletir sobre o papel da empresa em cenários do tipo. Claro que a burrice e suscetibilidade de Sandra para com Daniels é gritante, mas também é perceptível e prudente levarmos em conta que o restaurante, abarrotado de clientes para poucos funcionários e equipado com câmeras de vigilância e suas regras de atribuição do trabalho e conduta, acaba sempre alheio a tudo de ruim (enquanto o faturamento está seguramente resguardado).
Vale dizer, portanto, que Obediência (2012) não é fácil de assistir pois, mesmo sabendo que o longa se inspira em eventos reais, a revolta gerada conforme os abusos avançam só aumenta. O elenco de Compliance, que também conta com nomes como Ashlie Atkinson (da série A Idade Dourada) e Bill Camp (ator metido em dezenas de produções espetaculares nos últimos anos como as séries The Night Of e The Outsider), consegue entregar boas cenas, tendo nomes, à época, promissores dentro das produções de filmes e séries vindouras.
Mesmo com o bom elenco e atuações, é justamente quando personificamos as ações das pessoas que o filme Obediência perde grande parte da sua força. Talvez a forma como o roteiro construiu os diálogos que levam às ações não tenha sido bem lapidado, pois, à luz da veracidade dos eventos, ainda assim não conseguimos conceber a ideia de que apenas uma ligação por parte de um golpista eloquente tenha feito uma jovem trabalhadora passar pelo que passou. Talvez, se figuras como Sandra e Van não tivessem sido retratados como pessoas tão suscetíveis ao se depararem com seus desafios morais na história – aceitando assim uma faceta de maior perversidade na condição de seres humanos, e usando o compliance como pretexto para suas ações, o resultado final ficasse mais crível.
De todo modo, Obediência é daqueles filmes que farão você se irritar no processo, mas a discussão pós sessão pode acabar valendo à pena. Afinal, quem não gosta de meter o pau na empresa depois do expediente?