A Mais Preciosa das Cargas A Mais Preciosa das Cargas

A Mais Preciosa das Cargas: um peso que não se sustenta

A Mais Preciosa das Cargas, primeira animação e décimo longa de Michel Hazanavicius, deixou, à primeira vista, uma boa impressão. Isso porque possui um design visual que transita entre o realismo e o estilizado, lembrando a estética de Valsa com Bashir (2008), de Ari Folman. De tempos em tempos, esse filme me volta à memória, e senti algo semelhante quando assisti à animação dinamarquesa Fuga (2021). Embora cada um tenha suas peculiaridades visuais, eles sempre me acendem a expectativa de ver algo tão tocante e original quanto o trabalho de Folman. No caso de Fuga, dirigido por Jonas Poher Rasmussen, terminei com a sensação de ter acessado um ponto de vista pouco explorado. O mesmo não posso dizer de “A Mais Preciosa das Cargas”.

O filme se inicia com uma narração em tom solene, que talvez só um francês de voz baixa e rápida consiga imprimir com tanta força. Ainda mais porque não era qualquer francês: trata-se do lendário Jean-Louis Trintignant, que gravou a narração aos 91 anos e faleceu antes da estreia do longa. Em off, sua voz apresenta o enredo como se estivéssemos diante de um conto de fadas ou de um clássico do cinema francês — o que só elevou ainda mais minhas expectativas.

Mas, à medida que a trama avança, fica claro que o filme força mais do que realmente transmite as emoções do contexto difícil em que se passa. Ao tentar retratar o sofrimento da guerra e os dilemas dos personagens, recorre a uma teatralidade superficial. Não sou contra diálogos teatrais ou o uso de clichês. Uma história não precisa ser original para ser tocante — mas o “como” ela é contada, sim, precisa transmitir uma verdade.

E o pior é que Hazanavicius não realizou um filme sobre algo que lhe é distante — escreveu o roteiro em parceria com o autor do livro homônimo, Jean-Claude Grumberg, parte de uma história com raízes pessoais. Grumberg era amigo dos pais do cineasta, judeus-lituanos sobreviventes, o que nos leva a crer que o filme tem base em relatos familiares.

Cena de A Mais Preciosa das Cargas. Créditos: Reprodução.

Com todo respeito às vítimas do Holocausto, sinto que a adaptação cinematográfica de “A Mais Preciosa das Cargas” utiliza essa tragédia como muleta emocional, tentando extrair gravidade da história por meio da associação com o contexto histórico. Muitos personagens são mal aproveitados ou não justificam sua presença. Outros têm mudanças abruptas, como o Lenhador, inicialmente relutante em aceitar o bebê judeu que sua esposa resgata de uma nevasca, após a criança ser lançada de um trem de prisioneiros. Ele, então, passa a demonstrar afeto repentino. Apesar dessa cena emanar ternura e até ser uma das melhores do filme, a situação acontece sem muito desenvolvimento em relação a esse personagem.

Sendo uma história paralela ao campo de batalha, centrada num núcleo familiar pobre e isolado, esperei uma narrativa mais sutil — algo que o roteiro abandona no meio do caminho. Há uma virada brusca que parece uma solução apressada, cujas consequências são pouco exploradas. A narrativa então salta para a perspectiva do pai da criança, que a lançou do trem. Mas suas passagens de vida também são tratadas com pressa, e assim fica difícil se apegar a ele ou à filha.

Para falar do final, volto a “Valsa com Bashir”: nele, embora a premissa envolvesse o diretor tentando resgatar memórias perdidas da guerra, a animação misturava sonho, memória e realidade com clareza de propósito. No desfecho, entendemos (ou ele entende) o que queria alcançar. Já o final anticlimático de “A Mais Preciosa das Cargas” não o define — parece indeciso entre ser um conto quase fantasioso sobre uma criança judia que escapou dos horrores nazistas para crescer feliz, ou um retrato sombrio de um sobrevivente do Holocausto, mais próximo do quadrinho “Maus”, porém menos impactante e mal resolvido.

Pode ser que o fato de estar disposta a gostar do filme, por tê-lo achado interessante no início, elevou tanto o que esperava dele que acabou prejudicando a experiência. De todo modo, dentre tantas histórias que abordam o Holocausto, “A Mais Preciosa das Cargas” me parece abaixo da média.