As séries médicas estão mais do que estabelecidas no mundo do entretenimento, que vive hoje a era dos streamings e tem serviços como Netflix, Disney+, MAX, Prime Video e tantos outros dando as cartas. “Grey’s Anatomy”, “Dr. House” e “The Good Doctor” são alguns dos exemplos de produções consagradas que ostentaram e ostentam longevidade perante ao público. The Pitt, recém-chegada na MAX, porém, é uma série que foge um pouco dos padrões e puxa lá de trás, em “Plantão Médico” (ER) e mais alguns títulos, as referências para se destacar e merecer a sua atenção.
Isso porque o seriado, com lançamentos semanais de episódios (todas as quintas-feiras, às 23h), apresenta o cotidiano de profissionais da saúde em um hospital de Pittsburgh enquanto precisam lidar com seus dramas pessoais, crises emocionais e políticas locais enquanto conferem atendimento aos pacientes em diversas situações.
Bem-vindos ao Pitt, um hospital digno de Jack Bauer
Além do tema médico hospitalar, chama atenção a estrutura narrativa de “The Pitt” que se baseia na linearidade em tempo real, com cada episódio durando uma hora do trabalho ali executado, tal qual podemos conferir na série 24 Horas, fenômeno de audiência na cultura pop durante o início deste milênio. O senso de urgência trazido acaba casando muito bem, realçando características da área da saúde como necessidade de preparo profissional para executar uma importante função, riscos de uma decisão que envolve a vidas, ansiedade natural quando se é residente e está começando a clinicar e saber lidar com os mais variados tipos de pacientes (que em sua maioria estão impacientes pela demora no atendimento).
Dentre estas, porém, a que mais conversa e diferencia “The Pitt” das demais é a noção de precarização do trabalho num ambiente caótico. Em outras palavras: a uberização do trabalho.

Logo no início, vemos o Dr. Michael Robinavitch (Noah Wyle) conversando com a administradora do hospital e, em meio a diversos casos urgentes do setor do qual é chefe, ele é cobrado pelas baixas notas recebidas pelos pacientes, tal qual passageiros dos apps de transporte. Ainda nessa analogia, Temos os médicos escolhendo em um painel quais casos preferem ou julgam mais adequado tratar: se eu acabei de ter uma experiência ruim como perder um paciente, posso escolher uma nova ocorrência que sirva para elevar a minha moral e recuperar a minha estima profissional, como bem vemos na narrativa do iniciante Dr. Dennis Whitaker (Gerran Howell).
Tal qual um sistema de transporte fadado ao fracasso, pois dificilmente teremos o problema de locomoção urbana resolvido com mais carros entupindo o trânsito, os médicos novatos e experientes dali jamais conseguirão zerar a lista de espera dos inúmeros pacientes, o que traz à tona o criativo apelido dado pelo Dr. Robinavitch ao hospital. Localizado em Pittsbirgh, o nome “The Pitt” serve tanto para referenciar a cidade quanto para classificar aquele ambiente de trabalho como um poço, fosso, abismo ou até mesmo uma cova: um lugar sem solução ou salvação.
Um plantão médico com Noah Wyle e R. Scott Gemmill
Não é à toa que “The Pitt” tem o “coração” de ER, drama médico que revolucionou produções do gênero na década de 1990. Além do protagonista da série de 2025 ser o mesmo, mas agora mais experiente Noah Wyle, ambas produções compartilham showrunner e diretores como é o caso de R. Scott Gemmill e John Wells. A semelhança, no entanto, eclodiu numa situação de litígio entre Michael Crichton, criador de ER, e a Warner, sob alegação de que “The Pitt” é uma continuação não autorizada da obra original, algo negado pela Warner Bros, que por sua vez alega se tratar de uma produção independente e original.
Para o público, no final das contas, o que importa é o resultado e “The Pitt” consegue entregar uma trama envolvente, repleta de camadas que transitam entre mostrar momentos de drama e dificuldades de seus personagens, criticar o sistema econômico (capitalismo neoliberal) e expor a negligência do estado com a população (vale sempre lembrar que o sistema de saúde nos EUA é um dos mais caros para o povo) com a perspectiva de esgarçar ainda mais o assunto ao abordar os tempos de COVID-19, lançando mão de conceitos filosóficos como biopolítica e o biopoder de Michel Foucault.