Quase sete anos após o lançamento da terceira e última temporada de Demolidor na Netflix, é seguro afirmar que essa ainda é uma das melhores adaptações de quadrinhos desde que esse movimento tomou conta da cultura pop. Por esse motivo foi difícil conter a empolgação quando a Disney anunciou que o personagem renasceria no mesmo universo dos Vingadores e Cia. E melhor ainda, com o retorno do elenco principal da finada versão da Netflix. Mesmo com problemas de bastidores, Demolidor: Renascido está entre nós. Mas será que toda expectativa foi recompensada? Fato é que existem semelhanças e mudanças, para o bem e para o mal.
Claro que essa não é a primeira vez que Matt Murdock dá o ar da graça em produções oficiais do Marvel Studios, contando com pontas em Mulher-Hulk, Eco e Homem-Aranha: Sem Volta pra Casa. Mas é aqui que o personagem realmente pode mostrar sua verdadeira face, com o teor urbano e violento que estamos acostumados. No entanto, fica claro nos dois primeiros episódios que algumas questões precisaram ser encerradas para pavimentar esse novo caminho do Homem Sem Medo.
Dando adeus ao velho Demolidor…
“Meia Hora do Céu”, o primeiro episódio da temporada, é o típico caso de mudança de status quo da série. O showrunner Dario Scardapane herdou a missão de comandar o programa depois que a primeira versão do roteiro foi completamente descartada pois, supostamente, não tinha ação o suficiente. Talvez como uma forma de causar um grande impacto inicial, o episódio nos apresenta o trio principal com Matt (Charlie Cox), Karen Page (Deborah Ann Woll) e “Foggy” Nelson (Elden Henson), num momento de descontração apenas para jogá-los em uma situação traumatizante quando o Mercenário (Wilson Bethel) resolve atacar os personagens. Os resultados dessa ação definem o tom do episódio que altera toda a estrutura conhecida no passado. É nesse ponto que “Demolidor: Renascido” se afasta de sua contraparte e busca por algum tipo de identidade.
Porém, esse início é decepcionante. Não pela ideia do atentado, mas pela execução dessa ideia. Começando pelo uso de um CGI grosseiro desde os saltos do Demolidor pelos telhados da cidade até o seu embate com o Mercenário. O que poderia causar uma primeira impressão impactante, deixa um gosto amargo na boca. Alguns podem reclamar da maneira como Karen e Foggy são deixados de lado, mas isso é algo que acontece frequentemente nos quadrinhos. Incomoda mesmo a necessidade de impressionar o espectador com momentos vazios.
Por sorte, as coisas funcionam melhor no núcleo dos vilões. Wilson Fisk (Vincent D’Onofrio) retorna aos holofotes para descobrir que agora Vanessa (Ayelet Zurer) é quem comanda o crime na cidade. Numa jogada ousada, o outrora Rei do Crime decide que vai disputar a eleição para a prefeitura de Nova York. É interessante notar a inversão de poder no relacionamento dos personagens, com Vanessa enxergando no marido um elo fraco de sua operação. Isso nos leva a melhor cena do episódio, com Matt e Fisk conversando numa lanchonete enquanto se esforçam para manter a civilidade.
É nesse momento que “Demolidor: Renascido” brilha um pouco mais, embora não o suficiente para tornar seu primeiro episódio em algo realmente marcante. Felizmente, as coisas mudam drasticamente logo em seguida.
… E dando olá ao novo Demolidor
É possível afirmar que “Ótica”, segundo episódio da temporada, é realmente o início da nova série do Demolidor. Sem a necessidade de se agarrar ao passado, agora temos uma ideia melhor dos rumos que o personagem irá seguir daqui para a frente. A vitória de Fisk como prefeito reascende em Matt a dúvida sobre voltar a vestir o manto de vigilante. Curiosamente, esse tópico fez parte da campanha eleitoral de seu principal inimigo, que prometeu caçar e se livrar de qualquer um que vista um uniforme. Destaque para a rápida menção ao Homem-Aranha. Com mais espaço para brilhar, D’Onofrio mostra que não perdeu o jeito para interpretar um dos melhores vilões desse universo dos quadrinhos, com direito até ao famoso momento ‘Máfia no Divã’.
Temos também o retorno do drama de tribunal, com Matt se colocando à disposição para defender Hector Ayala (Kamar de los Reyes), que descobrimos ser o Tigre Branco, da acusação de ter matado um policial em uma briga no metrô. Um destaque para Charlie Cox que carrega bem os anseios de um homem dividido entre dois mundos. Também gosto da forma como suas habilidades são exploradas aqui, especialmente quando ele precisa se concentrar para ouvir algo.
Não demora para que as linhas narrativas comecem a convergir para um mesmo caminho. Com Fisk precisando sujar as mãos para ter o Departamento de Polícia ao seu lado, passando pelo caso de Hector, Matt Murdock se vê contra a parede em sua decisão de abandonar o manto do Demolidor. Toda essa raiva e frustração é descarregada em uma nova cena de luta, agora bem melhor do que a mostrada no primeiro episódio. O diretor Michael Cuesta consegue tornar tudo mais visceral apostando na simplicidade.
Ainda em busca de equilíbrio, “Demolidor: Renascido” não pode ser comparada com a adaptação mais bem-sucedida do personagem até o momento. Isso não é justo e com certeza pode afetar a percepção de quem optar seguir essa narrativa. Porém, fica a esperança de que a nova série consiga honrar o passado sem precisar se apoiar nele e que possa significar de fato um renascimento para um gênero que parece enterrado em escombros de glórias antigas.