O documentário Quatro Paredes (“Black Box Diaries”) aborda o caso de violência sexual sofrido pela jovem jornalista japonesa Shiori Ito, perpetrado por um jornalista mais velho com conexões na alta política de Tóquio. Desde os primeiros momentos, o filme nos confronta com cenas que deixam clara a veracidade do caso, desafiando qualquer dúvida que o espectador pudesse ter, especialmente diante da perseguição que Shiori enfrentou ao denunciar o crime.
A narrativa constrói uma crescente tensão ao mostrar como todas as instituições responsáveis parecem estar contra a jornalista. O documentário evidencia o caráter retrógrado e conservador das leis japonesas sobre violência contra a mulher, tornando a busca por justiça um desafio quase impossível. A luta de Shiori não se resume apenas à punição de seu agressor, mas também à exposição de um sistema jurídico ultrapassado que impede as vítimas de terem seus direitos garantidos.
Entretanto, essa realidade não é exclusiva do Japão. Até 2024, segundo o Conselho Nacional de Justiça, quase 60 mil processos de violência contra a mulher – englobando violência doméstica e feminicídios – estão aguardando julgamento no Brasil. Internacionalmente, o movimento #MeToo expôs um volume altíssimo de denúncias contra figuras influentes da indústria de Hollywood, como Harvey Weinstein, Kevin Spacey, Woody Allen, Danny Masterson, Casey Affleck e, mais recentemente, tivemos o caso de Neil Gaiman. “Quatro Paredes” também cita o impacto do #MeToo, observando, no entanto, que na sociedade japonesa o movimento não foi tão bem aceito quanto em outros países.

Shiori, mesmo em um contexto opressor, demonstra força e persistência na sua luta para responsabilizar seu agressor e se torna uma figura política inspiradora no meio do jornalismo de Tóquio, publicando seu livro “Black Box”, que tem o nome como referência a uma caixa preta que guarda segredos relativos à violência sexual que nunca são revelados.
Com a produção de “Quatro Paredes”– que concorre ao Oscar deste ano –, Shiori se coloca em primeiro plano e demarca a importância de tratar de um assunto que ainda é um entrave retrógrado dentro da sociedade, independentemente do país. Mulheres que sofrem violência sexual estão sujeitos a violência tanto de seus parceiros, quanto das instituições, quanto da sociedade em geral, quando assumem que passaram por tais atos, carregando o estigma da agressão.
Infelizmente, desacreditar a vítima ainda é um procedimento comum. Casos como o de Shiori Ito reforçam a necessidade de que vítimas sejam ouvidas com respeito e credibilidade, não apenas como uma formalidade. Independente do resultado do Oscar, o documentário cumpre a função de ser relevante para seu tempo e coloca em debate o que ainda temos muito em que avançar em questões legislativas e de humanidade.
“Quatro Paredes” chega no dia 10 de março pelo Filmelier+.
Por Hélio Mesquita.