Ben Wang, Jackie Chan e Ralph Macchio em Karatê Kid: Lendas Ben Wang, Jackie Chan e Ralph Macchio em Karatê Kid: Lendas

Karatê Kid: Lendas se perde em uma nostalgia vazia

Após 14 anos longe das telas, a franquia Karatê Kid retorna aos cinemas com um novo capítulo da saga: Karatê Kid: Lendas. Uma aventura inédita cheia de desafios, reunindo rostos familiares e novos personagens. No filme, acompanhamos a jornada de Li Fong (Ben Wang), seus conflitos familiares e como as artes marciais — aliadas à orientação dos mestres Sr. Han (Jackie Chan) e Daniel LaRusso (Ralph Macchio) — o guiarão nessa trajetória de autoconhecimento, equilíbrio entre tradição e modernidade, e busca por um propósito. Pelo menos, é isso que esperamos de uma boa história de “Karatê Kid”. Afinal, são esses alicerces que fizeram da saga um clássico da cultura pop.

Karatê Kid: Lendas – O filme que esqueceu sua própria filosofia

De 2018 até 2025, testemunhamos “Karatê Kid” voltar à boca do povo com a aclamada série “Cobra Kai”, inicialmente no YouTube Originals e, depois, sob responsabilidade da Netflix. Lá, vimos uma abordagem mais madura dos conflitos e das consequências na vida de Johnny Lawrence (William Zabka) após os eventos do primeiro filme, de 1984. A série aceitou o desafio de atualizar a narrativa maniqueísta dos primeiros longas e introduziu tons de cinza, debatendo motivações e complexidades dos personagens. “Cobra Kai” não só conquistou novos fãs, como também expandiu o universo da franquia, dando-lhe mais profundidade.

Sem dúvida, o legado da série elevou a expectativa sobre novos projetos do universo “Karatê Kid”. E este novo capítulo carregava, entre fãs novos e antigos, a esperança de reviver essa magia. Como não esperar muito, sabendo que o filme traria dois personagens centrais e tornaria canônica a história do Sr. Han? Mas o problema deste novo longa não está exatamente aí. A princípio, parece que “Karatê Kid: Lendas” não entende a qual universo pertence — e, pior ainda, não parece gostar de fazer parte da franquia à qual deveria pertencer.

A direção de Jonathan Entwistle (I’m Not Okay With This) é visivelmente confusa, sem clareza sobre qual história quer contar. Trata-se de Li Fong enfrentando sua maturidade e evoluindo pela relação mestre-aluno? É sobre a luta como metáfora da vida? Sobre ajudar os outros? Sobre o quê, exatamente? Muitas perguntas, poucas respostas. Se questionamentos podem impulsionar uma narrativa, aqui eles apenas estagnam a trama ou a levam a lugar nenhum. As relações entre os personagens não surgem organicamente; somos forçados a aceitar certas conexões. O relacionamento entre mãe e filho é frio, e há um bombardeio de flashbacks mal encaixados para justificar um passado forçado, resultando em diálogos preguiçosos como: “Você lembra o que aconteceu com seu irmão?”.

Li Fong (Ben Wang), Sr. Han (Jackie Chan) e Daniel LaRusso (Ralph Macchio). Crédito: Reprodução.

Quanto ao interesse amoroso, a personagem Mia (Sadie Stanley) é rasa. Eles se tornam amigos em uma tarde, e pronto: somos levados a acreditar que existe romance. Em determinado momento, o roteiro tenta criar um conflito, atribuindo má-fé a Mia, mas, logo depois, tudo se resolve como se nada tivesse acontecido.

Em uma das muitas subtramas, Li treina o pai da namorada para que ele lute em um torneio de boxe e pague dívidas com agiotas. É praticamente um filler dentro do próprio filme. Na tentativa de transformar Li em um super-herói — como brinca Mia: “Ele é o Peter Parker chinês” —, o personagem enfrenta vários oponentes ao mesmo tempo, mas inexplicavelmente não consegue vencer um único rival direto. Se antes tínhamos o carisma de William Zabka como vilão, agora temos Conor Day (Aramis Knight), o novo antagonista. E sim, ele é mau porque… sim.

O roteiro de Robert Mark Kamen e Rob Lieber carece de coerência — com a direção, com a edição e consigo mesmo. Há um retcon logo no início, explicando que as famílias Han e Miyagi possuem uma ancestralidade em comum, narrado pelo próprio Sr. Miyagi por meio de uma cena de “Karatê Kid II”. Em seguida, o “Karatê Kid: Lendas” adota uma estética de quadrinhos — que é abandonada em poucos minutos. Logo depois, tenta algo com visual de videogame — também deixado de lado. Não há um fio condutor: tudo parece estar ali porque “fica legal”, e só.

Li Fong (Ben Wang) e o Sr. Han (Jackie Chan). Crédito: Reprodução.

Kamen e Lieber não desenvolvem nem Sr. Han nem Daniel LaRusso. Ambos aparecem pouco, e quando o fazem, são mal aproveitados — reduzidos a frases de efeito, piadinhas e coreografias de luta. Não há relação afetiva consistente entre os mestres, tampouco entre eles e o novo protagonista. Li Fong passa a maior parte do tempo afastado de seu mentor e, por um motivo fraco, acaba treinando com Daniel. Não há base sólida para nos importarmos — não há ensinamentos, filosofia marcial ou qualquer elo, além deles mesmos afirmando que existe.

A trilha sonora de Dominic Lewis é esquecível, exceto por alguns trechos que evocam melodias da clássica trilha de Bill Conti. Não cria emoção, nem tensão, nem sentimento de triunfo. Boa parte das músicas parece retirada de uma playlist genérica. É totalmente dispensável.

A edição, assinada por Dana Glauberman e Couby Parker Jr., é caótica. Parece que todas as cenas foram mantidas sem nenhum critério. “Karatê Kid: Lendas” tem cortes desordenados — especialmente nas lutas, o que compromete o ritmo. Cenas de diálogo supostamente importantes são seguidas por cortes abruptos para momentos desconexos. A linha temporal é confusa, especialmente no ato final: não fica claro se os eventos ocorrem no mesmo dia, em dias diferentes ou simultaneamente. Um desastre completo.

“Karatê Kid: Lendas” não gosta de si mesmo, não entende seu próprio universo e, pior, parece não se importar com isso. A filosofia marcial e as relações humanas — pilares da franquia — são inexistentes. O filme se perde em uma nostalgia vazia e mal executada. Se antes tudo era kung fu, agora tudo é nada.

Por Luke Muniz.