Dirigido por Jacques Audiard, Emilia Pérez conta a história de uma advogada que, enquanto trabalha como defensora de abusadores sexuais, é procurada por um poderoso chefe de uma quadrilha mexicana para auxiliá-lo na realização de sua redesignação sexual. A partir disso, o destino da advogada se entrelaça de forma problemática com o do chefe de quadrilha, sua esposa e seus dois filhos após a cirurgia.
Com um enredo que mais retrocede do que avança, o arco dramático das personagens principais se desenvolve pouco, e o roteiro abandona seu mote inicial para introduzir uma nova problemática frágil, que pouco contribui para a obra como um todo.
Repleto de cenas musicais melosas (ou que poderiam ser chamadas assim, caso tivessem boas melodias), o filme conta com atuações tecnicamente e criativamente destoantes, que, longe de serem um diferencial positivo, acabam prejudicando ainda mais a narrativa. Assim, não pode ser considerado melodramático, pois falha tanto em criar emoção por meio das canções quanto em desenvolver o drama na história. Além disso, “Emilia Pérez” apresenta atuações extremamente deslocadas em um roteiro que, ao tentar abordar representatividade, acaba reforçando estereótipos transfóbicos e xenofóbicos.

O excesso de pontas soltas e diálogos bobos resulta em um filme inchado, onde as situações não se encadeiam de maneira orgânica, tornando o desenrolar da trama enfadonho. No fim, “Emilia Pérez” se revela um pastelão que oscila entre o engajamento em causas afirmativas e um tom satírico tão pobre que não deixa clara sua intencionalidade. Ainda assim, conseguiu emplacar sua campanha nos grandes festivais internacionais, como no caso do Oscar 2025, onde recebeu 13 indicações. O filme se propõe a uma crítica social, mas não vai além do senso comum, reproduzindo preconceitos dentro de sua própria temática.
Karla Sofía Gascón e “Emilia Pérez”
O grande destaque da produção é a performance da polêmica Karla Sofía Gascón, que interpreta com competência sua personagem. No entanto, ao dar vida a Manitas (o chefe da quadrilha antes da transição), há uma estranheza na alternância entre a hiper masculinização do personagem e momentos de fragilidade feminina. Esse contraste, que poderia ter sido desenvolvido com maior naturalidade, acaba se tornando incômodo, possivelmente por conta de uma direção falha. Além disso, a direção do filme demonstra um conhecimento superficial sobre o México, local onde a trama se passa — algo evidenciado por declarações problemáticas do próprio diretor, que recentemente afirmou que “espanhol é a língua dos pobres”.

No que diz respeito às polêmicas, Karla Sofía Gascón fez declarações indiretas sobre o filme brasileiro Ainda Estou Aqui, afirmando à mídia: “Eu, em nenhum momento, falei mal de Fernanda Torres ou de seu filme, mas vejo muitas pessoas que trabalham no ambiente de Fernanda Torres falando mal de mim e de Emilia Pérez. Isso diz mais sobre eles e seu filme do que sobre o meu.” Além disso, antigos tweets da atriz vieram à tona, revelando discursos islamofóbicos e racistas relacionados ao caso George Floyd.
A campanha de “Emilia Pérez” parece estar em decadência, mas o fato de ter sido muitas indicações no Oscar já é um sintoma do caráter da premiação. Isso serve como alerta para a falta de critério em grandes festivais, que muitas vezes fazem escolhas questionáveis em suas indicações. A situação se agrava caso um título como esse acabe premiado, reforçando a percepção de um ambiente injusto para outros tipos de produções.
Por Hélio Mesquita.