Estreia da diretora alemã Nele Mueller-Stöfen em longa-metragem, o novo filme da Netflix, Delicious, é daqueles típicos casos em que conseguimos encontrar virtudes se levarmos em conta o debute da cineasta, mas mesmo assim fica em dívida com o público quando a verdadeira missão é entregar uma boa história do início ao fim. Nesta crítica, iremos abordar os erros e acertos da produção alemã recém-chegada na plataforma, bem como seu final polêmico.
A história de Delicious contempla uma família alemã de classe alta chegando ao interior da França para passar o período de férias em sua enorme casa de veraneio. O clima no país é de ebulição social, onde os jovens, revoltados com a falta de perspectiva de vida, protestam nas ruas num ato de rebeldia contra o governo. A família, totalmente alheia a esses problemas, logo se vê envolvida com uma jovem chamada Theodora (Carla Díaz) após um acidente na estrada. Aos poucos, a jovem passa a manipular cada membro da família, construindo um ambiente de tensão e incertezas.
Luta de classes e carne humana dominam a narrativa do filme da Netflix
Nele Mueller-Stöfen, que também assina o roteiro do filme, consegue conduzir bem suas cenas a partir do auxílio do compatriota e diretor de fotografia Frank Griebe (colaborador de bons filmes como “Corra Lola, Corra” de 1998 e Perfume – A História de um Assassino de 2006), sendo através dele que podemos conferir o que há de melhor em Delicious. É aquela história: mesmo sendo novato, ajuda muito quando nos cercamos de bons profissionais para por adiante uma ideia e, pelo jeito, é o que acontece neste caso. Enquanto crítica social, Delicious também se sai bem e a dinâmica entre Theodora e a família consegue fugir dos elementos óbvios do suspense na maior parte do tempo.
Isso porque, quando vamos para outros aspectos da produção como o texto e o desenvolvimento dos conceitos propostos pela cineasta, as coisas demoram além da conta para sair do lugar, para no final não chegar em destino satisfatório.
A insatisfação social, principalmente por conta dos jovens, é algo latente na França desde sempre, havendo brechas no tema tanto para um aprofundamento no que tange a dramaticidade da história quanto no terror e suspense, lançando mão de alegorias como na frustrante abordagem do canibalismo promovido pela diretora.
Os personagens e elenco de Delicious e seu final polêmico
Falando um pouco sobre o núcleo rico do filme, vale mencionar que a formação da família com o pai John (Fahri Yardim), a mãe Esther (Valerie Pachner) e os filhos Philipp (Caspar Hoffmann) e Alba (Naila Schuberth) estão bem estabelecidos na trama do longa Alemão, com diversas camadas inseridas para cada membro: o pai, fracassado profissionalmente, não consegue mais se conectar com a esposa, que se encontra na crise de meia idade e dedica seu tempo quase integralmente ao trabalho, mesmo vindo dela a fortuna que garante a todos uma vida abastada. Os filhos, por sua vez, estão no olho do furacão e vulneráveis tanto ao ambiente tóxico gerado pelos pais quanto às consequências provenientes dos perigos do mundo externo.
A abordagem do canibalismo, surpresa reservada aos espectadores na parte final do filme, certamente irá lembrar o filme Raw, de 2016, dirigido pela francesa Julia Ducournau. No entanto, vale ressaltar que diferente de Delicious, Raw usa o canibalismo como símbolo da transição para a vida adulta e da descoberta de impulsos reprimidos, incluindo a sexualidade.
Esse aspecto pode até se relacionar com as crianças da família em algum nível, mas o que temos no trabalho de Mueller-Stöfen é algo muito mais relacionado com a crítica ao consumo desenfreado e a exploração (também presente em Raw), a criação de uma nova ordem social (também na série Yellowjackets) e, principalmente, a degradação moral dos jovens quando retirados da sociedade, linkando assim o final de Delicious com o seu início.
Afinal, Delicious (2025) é bom?
Disponível e fresquinho na Netflix, Delicious (2025) vale a pena para uma sessão sem grandes expectativas de crítica e que leve em conta o trabalho inicial de uma diretora que, embora ainda não possua assinatura própria enquanto cineasta, consegue trazer bons debates à mesa.